Blogue literário deTchalê Figueira

sábado, 22 de janeiro de 2011

SE DEUS NÃO TEM MEDIDA, AMOR AINDA É MAIOR!

Quando Salomão Levy recebeu o aziago telegrama anunciando a morte do pai, soube de seguida que tinha que abandonar a sua amante a baronesa dona Felipa de Ferreira, as óperas no teatro D. Carlos que tanto adorava, e as farras em Lisboa, naquele tempo turbulento. Apreensivo, (talvez pensando na herança) teve que embarcar no primeiro paquete da companhia colonial pronto para cumprir o seu destino. Numa manhã chuvoso e triste de Dezembro, bem cedo, zarpou num vapor no cais de Sodré, rumo à sua ilha natal São Vicente, onde lhe esperava grandes responsabilidades. Sendo o filho primogénito, irmão de mais cinco irmãs que também viviam naquele tempo à grande e à francesa na capital lusitana, à custa do seu pai, Isack Levy, próspero comerciante na cidade do Mindelo que, ao chegar a casa depois de um bom negócio, despejava o conteúdo dos bolsos… libras esterlinas em ouro, que atirava para a cama ornada com uma bela colcha da ilha da Madeira e, de seguia, em alto e bom som, gritava: Mulher!... Hoje foi um dia e peras!

- Após dez dias de viagem comendo sopa e má comida no enfadonho e lento barco a vapor (o tempo cura todos os males) Salomão Levy sentiu-se conformado com a decessa do progenitor, numa manhã quente de Dezembro, nos trópicos, avistou o ilhéu dos pássaros, com a sua forma cónica de falo em erecção, de repente, sentiu saudades do sexo cheiroso, da baronesa dona Felipa de Ferreira.

Desembarcou com um sentimento de felicidade do vapor ancorado na bela baía do Porto Grande, por uma escada de quebra costa. Ágil que nem um gato, saltou para dentro de um dos vários escaleres da família que viera espera-lo, por ordem da senhora sua mãe, dona Rosa Levy; um belo escaler de seis remos, tripulado por fortes remadores negros mulatos e mestiços, empregados da firma Levy. Remando com alegria, contentes com a vinda do jovem patrão, num diabo esfrega o olho, chapinhando e puxando na voga com perícia os longos remos, vinte minutos passados, faziam uma agradável atracação no Cais da velha Alfandega.
Com as pernas e a cabeça todavia sentindo os balanços dos dez dias de viagem, caminhou até a enorme casa colonial da família, mais ou menos a cem metros do cais, e deparou com um conjunto de senhoras trajadas rigorosamente de preto, do bico dos pés à cabeça. Atónito, pensou para os seus botões, que a tradição de chorar os mortos, em nada mudara naquela ilha. - Caramba! - Até os brincos das carpideiras, estavam forrados de preto!
Reconheceu algumas das pranteadeiras, umas choronas dos mortos na sua infância aqui na ilha, todas envelhecidas e com rugas da sua vida miserável, estampado em seus rostos, de corvos agoirentos.
Era inevitável! Tinham sido contratadas pela senhora sua mãe, para uma recepção teatral de falsas lágrimas.
Salomão Levy furioso, da fé que as carpideiras estão todas cheias de grogue na testa, tentam ensaiar um carpido mas são autoritariamente postas no largo da rua pelo novo patrão que de forma ríspida, fala nestes termos a senhora sua mãe: - Senhora minha mãe!... O senhor meu pai morreu, sou doravante, o homem desta casa… Choramingas não trarão de volta o meu pai… Todos sentimos com profunda magoa a sua morte, mas a vida continua minha senhora! … Gostaria… gostaria de saber exactamente, a verdadeira causa da sua morte!
– Chocada com a frieza polar do filho varão. Dona Rosa Levy, quase desmaia, pede um copo de água com açúcar à sua empregada. Depois de sorver uns quantos goles do adocicada liquido, de seguida cai num sofá vermelho, com as pernas a tremer. Bebe mais algumas gotas e, com as mão a tremer, poisando o copo numa pequena mas luxuosa mesa de prata marroquina. Segundos depois, suspirando fundo, depois de uma pequena pausa, de forma lacónica, começa a relatar: “Teu pai, que a alma descanse em paz, tinha aqui na ilha, muitos inimigos. Ao regressar a casa depois do funeral do nosso amigo, o Dr. António Silveira, foi a casa de banho, lavar, e fazer a barba… Meu Deus!... De repente!...vindo da casa de banho, oiço a voz do teu pai, num terrível lamento – “ Mataram-me mulher!” – Corri assustada para ver o que se passava com o meu Isack, deparei com ele morto, rígido, caído no chão com a boca cheia de uma espuma branca… Dizem…dizem, que foram os militares e os padres aqui da ilha… Foi assim!... Ao regressar do enterro do seu velho amigo, antes de vir para a casa, foi prestar as suas condolências a família enlutada… como naquele dia, fazia um imenso calor em São Vicente, pediu um copo de água fria a empregada, foi-lhe oferto uma limonada envenenada, que ele inocentemente bebeu… inocentemente meu filho! … Segundo os nossos amigos mais íntimos, foram os inimigos da maçonaria e tu sabes que o senhor teu pai era grão-mestre da loja e tinha muitos inimigos no clero e na tropa.

- Salomão Levy, naquele remoto dia em que a mãe contou-lhe de forma triste, o suposto homicídio por envenenamento do seu querido pai, jurou vingar a sua morte; mas os anos foram passando, ele esqueceu por completo, a sua vendetta.
- Maravilhado com as lindas crioulas, cheio de dinheiro que fluía cada vez mais com o prospero negócio dos barcos, esqueceu da promessa de vingar o pai.
Fornicou tudo quanto era cama na ilha… Casadas, solteiras, virgens; teve imensos filhos legítimos e ilegítimos e, muitas das mulheres que não suportaram o destravado comportamento mulherengo do Casanova, após alguma pressão, com a ajuda pecuniária do fornica dor, Salomão, emigraram para as Américas, outras para o velho Continente.

Continuou ganhando dinheiro aos montões, escutava com nostalgia óperas dos mestres Italianos no sobrado do escritório da mansão, onde papava muitas das suas amantes, num catre americano. Tudo era perfeito, tudo corria as mil maravilhas, mas o destino, tem das suas!

- Num belo dia de Setembro em que Salomão Levy andava pelos lados do mercado de peixe, na faina de negociar mantimentos para um barco inglês, deparou com a mulher que lhe desmoronou por completo, seu charme de galo machão.
Pelo mais incrível que pareça, o Dom Juan, apaixonou-se pela primeira vez na sua vida. Ao ver tanta beleza resplandecendo daquela mulher, dirige-se que nem um bólide a preciosidade e, com a conversa fiada que está acostumado a seduzir mulheres, aborda a mulata Olinda, mas ela não dá bola. Tenta alicia-la com chocolate Suíço, em vão! Como tem que terminar o seu importante negócio com o barco, retira-se completamente exaurido, mas não rendido.
Perturbado com a tampa, da beleza das belezas, ele fica aflito, mas mais tarde, através dos seus informadores, vem a saber que Eulinda é sobrinha de um comerciante menor, um orgulhoso, que é conhecedor da má fama de Salomão Levy, o destruidor de inocências. Tinham proibido a sobrinha, qualquer tipo de conversa, com o mal afamado comerciante.

Desesperado mas sem êxito, Salomão Levy meses sem conta tenta aproximar-se da menina, mas ela não lhe dá troco. Olinda a bela continua firme e serena, mesmo sabendo, que Salomão Levy, é um dos mais belos homens aqui na ilha.
Enfermo de tanta paixão Salomão perde o apetite, deixa de jogar o seu uril, golfe e futebol e, o mais estranho, milagrosamente pára de fornicar as suas inúmeras amantes. Jura pela alma do defunto seu pai que irá desposar Olinda, custe o que custar.
Um belo dia, exausto de tanta insistência, num dia de céu azul de Maio, enche-se de coragem, vai ter com os tios de Olinda, a mulher que não lhe dá tréguas na sua cabeça, nem um segundo se quer.

Trajado com maior elegância possível, vai bater à porta do comerciante, é recebido com frieza; por delicadeza convidam-lhe a entrar, polidamente lhe é indicado um sofá de couro gasto para ele se sentar. Lhe é oferecido um grogue que ele educadamente recusa, por ser homem que afirma, que, a única bebida alcoólica que ele adora, são as mulheres!
Tamanha é a aflição deste Salomão reconhecivelmente apaixonado, ele quebra toda a frieza da cerimónia dos tios de Olinda e, sem papas na língua, vai directo ao assunto. Os tios, humildes, mas de um orgulho incorruptível, escutam atenciosamente as palavras do galam, na sua intenção de casar com Olinda, mas desgraçadamente para Salomão, eles são inflexíveis e indiferentes a sua prosa, recusam sem qualquer argumento, o pedido de casamento do galam Salomão Levy.

Desesperado, sai da pequena casa do humilde comerciante; cabisbaixo deambula pelas ruas de Mindelo, mas a sua teimosa cabeça não desiste de Olinda e jura ir até o fim.
Com o tempo, os tios de Olinda, fazem tudo para desgosta-lo da sua bela sobrinha, soberano, Salomão Levy vai até o fim! Rapam Eulinda o seu belo e comprido cabelo a zero, Salomão não desiste. Acha-a todavia mais bela do que antes, e a onde quer que ela vá com a sua cabeça rapada, ele Salomão Levy está presente, pairando a sua volta.
A família da jovem mulher mesmo assim não verga perante tamanha insistência do cavalheiro, um dia pensa ter encontrado uma nova artimanha, para desgostar o comerciante Salomão Levy, definitivamente da bela Olinda.

Foi terrível! Os tios, fartos do comerciante, tiveram uma abominável ideia, pensaram ter encontrado a solução definitiva, para a desistência do cavalheiro.

- Ora! Naqueles tempos no Mindelo, a maioria das casas, não tinham instalações sanitárias, as pessoas defecavam em latas, que, às nove da noite, com a cidade vazia de transeuntes, eram transportadas até um sítio chamado Caizim, onde eram despejadas as fedorentas latas.
Um cheiro nauseabundo irrespirável invadia as ruas do Mindelo, naquela hora em que nem os cães ladravam e… era
só visto, o cortejo das párias mulheres, mal pagas, carregando nas suas cabeças, aqueles esgotos aéreos repugnantes.
– Olinda, fora maldosamente decretada pelos tios, a fazer aquele ofício de escrava, no intuito de Salomão Levy, desistir do seu querer, mas não foi o caso! Todas as noites, às nove em ponto, na ponta da esquina da casa da amada, Salomão espera por ela, segue a traz de Olinda que vai caminhando envergonhada com passos lentos atravessando as ruas da cidade com o conteúdo fétido. Elegante e perfumado, sem qualquer tipo de nojo, acompanha Olinda sem pronunciar palavra, até a cloaca da cidade. Olinda, ao terminar o despejo, silenciosamente regressa a casa, ele ao lado dela em silêncio… Mas tudo tem seu tempo, acima e abaixo neste Mundo. 24 Meses passados, Olinda, gradualmente começa a trocar palavras solta com Salomão Levy, um belo dia enche-se de coragem, não aguenta mais, confessa a Salomão, que também o ama perdidamente

Morrendo de felicidade Salomão dá a língua nos dentes fala para todas as pessoas que encontra nas ruas, conhecidos e desconhecidos, a notícia espalha pela cidade, e, com a boca do povo a pedir justiça, sem mais estratégias maldosas e argumentos, os tios de Olinda dão a mão à palmatória, meses depois vão ao altar Olinda e Salomão, na maior felicidade deste mundo, depois de tantos percalços.
A enorme tenacidade de Salomão Levy, foi salva pelo amor, esta força que Eugénio Tavares poetizou, e cantou com estas palavras: Se Deus não tem medida, amor ainda é maior!...

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